Letras

quarta-feira, 22 de novembro de 2023

Liberdade («O poema é»)

Liberdade («O poema é»)
Sophia de Mello Breyner Andresen, in "O Nome das Coisas"

O poema é
A liberdade

Um poema não se programa
Porém a disciplina
— Sílaba por sílaba —
O acompanha

Sílaba por sílaba
O poema emerge
— Como se os deuses o dessem
O fazemos


Do que um homem é capaz

Do que um homem é capaz
letra e música de José Mário Branco
(da peça «Gulliver», de Swift/ Hélder Costa)

Do que um homem é capaz
As coisas que ele faz
Pra chegar aonde quer

É capaz de dar a vida
Pra levar de vencida
Uma razão de viver

A vida é como uma estradaQue vai sendo traçadaSem nunca arrepiar caminho
E quem pensa estar paradoVai no sentido erradoA caminhar sozinho
Vejo gente cuja vidaVai sendo consumidaPor miragens de poder
Agarrados a alguns ossosNo meio dos destroçosDo que nunca hão de fazer
Vão poluindo o percursoCo'as sobras do discursoQue lhes serviu pr'abrir caminho
À custa das nossas utopiasUsurpam regaliasPra consumir sozinhos
Com políticas concretasImpõem essas metasQue nos entram casa adentro
Como a TrilateralCo' a treta liberalE as virtudes do centro
No lugar da consciênciaA lei da concorrênciaPisando tudo p'lo caminho
Pra castrar a juventudeMascaram de virtudeO querer vencer sozinho
Ficam cínicos brutaisDescendo cada vez maisPra subir cada vez menos
Quanto mais o mal se expandeMais acham que ser grandeÉ lixar os mais pequenos
Quem escolhe ser assimQuando chegar ao fimVai ver que errou o seu caminho
Quando a vida é hipotecadaNo fim não sobra nadaE acaba-se sozinho
Mesmo sendo os poderososTão fracos e gulososQue precisam do poder
Mesmo havendo tanta gentePra quem é indiferentePassar a vida a morrer
Há princípios e valoresHá sonhos e amoresQue sempre irão abrir caminho
E quem viver abraçadoÀ vida que há ao ladoNão vai morrer sozinho
E quem morrer abraçadoÀ vida que há ao ladoNão vai viver sozinho

Propagande des chansons

PROPAGANDE DES CHANSONS

letra: Eugène Pottier
música: Pedro Rodrigues

À Gustave Nadaud

Le monde va changer de peau.
Misère, il fuit ton bagne.
Chacun met cocarde au chapeau,
L’ornière et la montagne ;
Sac au dos, bourrez vos caissons !
Entrez vite en campagne,
Chansons !
Entrez vite en campagne !

Avec vous, montant aux greniers,
Que l’espoir s’y hasarde !
Grabats sans draps, pieds sans souliers,
Froid qui mord, pain qui tarde :
On y meurt de bien des façons !…
Entrez dans la mansarde,
Chansons !
Entrez dans la mansarde !

Que le laboureur indigent
Voie à votre lumière
Si la faulx des prêteurs d’argent
Tond ses blés la première.
Mieux vaudrait la grêle aux moissons.
Entrez dans la chaumière,
Chansons !
Entrez dans la chaumière !

Les marchands sont notre embarras,
L’esprit démocratique
Tombe à zéro, - souvent plus bas ! -
Chez l’homme qui trafique.
Tirez du feu de ces glaçons !…
Entrez dans la boutique,
Chansons !
Entrez dans la boutique !

On vous prendra, dit le rusé,
Propriété, famille.
Le propriétaire abusé
S’enferme et croit qu’on pille.
Pour guérir ces colimaçons,
Entrez dans leur coquille,
Chansons !
Entrez dans leur coquille !

En paix, l’armée est un écrou
Dans la main qui gouverne,
Pour serrer le carcan au cou
Du peuple sans giberne.
Cet écrou, nous le dévissons…
Entrez dans la caserne,
Chansons !
Entrez dans la caserne !


(Paris, 1848)

The seed you sow

 The seed you sow

texto: excerto de Men of England – a song, de Percy B. Shelley
música de Pedro Rodrigues e coro da Achada
[mi maior]

The seed ye sow, another reaps;
The wealth ye find, another keeps;
The robes ye weave, another wears;
The arms ye forge, another bears.

Sow seed—but let no tyrant reap:
Find wealth—let no imposter heap:
Weave robes—let not the idle wear:
Forge arms—in your defence to bear.

[dito]
Have ye leisure, comfort, calm,
Shelter, food, love’s gentle balm?
Or what is it ye buy so dear
With your pain and with your fear?

[dito]
Tendes lazer, conforto, calma,
Abrigo, comida, o delicado bálsamo do amor?
Ou que é isso que pagais tão caro
Com a vossa dor e o vosso medo?

quarta-feira, 11 de outubro de 2023

Cantiga bailada

Cantiga bailada
(versão «As casas da Mouraria», letra de José Castro para a música de Brigada Victor Jara) 

Adeus ó rua da fonte
(Eras tão bonita e eu já te não quero)
Calçadinha mal segura (x2)
Quando passa o meu amor
(Eras tão bonita...)
Não há pedra que não bula (x2)

Óló alarilolela Óló alariloló


Desde a ribeira ao Castelo

Subia só p'ra te olhar

Mas hoje já não te encontro

Para onde foste morar

Óló alarilolela Óló alariloló


As casas da Mouraria

Hão de ter gente outra vez

Vivendo as suas vidas

Sem mágoas ao fim do mês

Óló alarilolela Óló alariloló
Óló alarilolela Óló alariloló

quinta-feira, 22 de junho de 2023

Cantiga de uma greve de Verão

 
Cantiga de uma greve de Verão
letra e música de Vitorino (1975)

Seara madura de Junho
Campos eternos sem fim
Abro o peito fecho o punho
Quando te inclinas para mim
 
Minha vila não está quieta
No tamanho do horizonte
Desconfia e fica alerta
Do sorriso de boi manso
Do morgado arrogante
 
Quando o trigo amadurece
Chega-me a força cá dentro
Como a da espiga pró grão
Troco foice por espingarda
Porque má paga é que não
 
Alentejanos prá frente
O sol está do nosso lado
Caçadeira atrás da porta
Queremos um Verão quente
Para a herdade do morgado.

terça-feira, 9 de maio de 2023

Canto dos Torna-Viagem

Canto dos Torna-Viagem
José Mário Branco (Resistir é vencer, 2004)

Foi no sulco da viagem
Já sem armas nem bagagem
Nem os brazões da equipagem
Foi ao voltar

Pátria moratóriaNo coração da históriaQue consumiste a glóriaNum jantar
Foi como se PortugalP'ra seu bem e p'ra seu malAndasse em busca dum finalP'ra começar
Ávida violênciaReverso da inocênciaSal da inconsciênciaQue há no mar
Império tão pequeninoDe portulano caprinoBolsos de sina e de sinoEm cada mão
Pátria imagináriaDe concistência váriaAfirmação diáriaDo teu não
As malas dos portuguesesSão como os olhos das rezesQue se mastigam três vezesEm cada chão
Cândida ignorânciaGrande desimportânciaOs frutos da errânciaJá lá vão
Ai Senhora dos Navegantes me valeiDe África, do sal e do mar só eu sobreiFoi p'ra me encontrar que amanhã já me perdiLonge vai o tempo em que eu já não estou aqui
Ai Senhora dos Talvez-Muitos-Mais-SinaisSocorrei estes desperdícios coloniaisFoi na noite fria que o dia me cegouInda agora fui, inda agora cá não estou
Ai Senhora dos Esquecidos me lembraiO caminho que p'ra lá vem e p'ra cá vaiEtecetera e tal, Portugal é nós no marInda agora vim e estou longe de chegar
Ai Senhora dos meus Iguais que eu subtraíFoi pataca a mim e não foi pataca a tiSe é tão grande a alma na palma do meu serAlgum dia eu vou finalmente acontecer
Por que não tentar outro ponto de vista?A história dos outros, quem a contará?Se qualquer colónia sem colonialistaSão os que já estavam lá
Tentemos então ver a coisa ao contrárioDo ponto de vista de quem não chegouPois se eu fosse um preto chamado Zé MárioEu não era quem eu sou
Os navegadores chegaram cá a casaE foi tudo novo p'ra eles e p'ra mimA cruz e a espada e os olhos em brasaPor que me trataste assim?
Não é culpa nossa se quem p'ra cá veioNão se incomodou ao saber do horrorA história não olha a quem fica no meioE o que foi é de quem fôr